Desde que comecei a atuar como engenheiro de alimentos no ramo de conservação de alimentos, tenho vivido interessantes experiências no que diz respeitos aos mitos e verdade relacionados a conservação de alimentos. Para ilustrar um pouco do cotidiano lidando com esse tema, começo este texto com a seguinte pergunta: É possível viver em um mundo sem conservantes alimentícios?
A resposta é não. Um mundo sem conservação de alimentos implicaria em apenas plantar, colher e comer, tudo na sequêcia imediata. Ou até mesmo, para os carnívoros, matar, cozinhar e comer... se bem que o próprio cozimento pode ser um conservante alimentício, visto que um pedaço de carne cozida dura bem mais que um pedaço de carne fresca. Não podemos esquecer também de outros conservantes tradicionais que fazem parte de nossas vidas: o sal, o açúcar, o vinagre... isso sem falar nos processos que também atuam na conservação, como a secagem, a refrigeração e o congelamento.
Mas, indo direto ao ponto, é possível viver em um mundo sem conservantes, aqueles ingredientes criticados quando presentes nos rótulos? Novamente a resposta é não. Apesar de amplamente criticados e questionados sobre a questão de saudabilidade, os conservantes ainda se fazem necessários em nosso planeta por alguns motivos. O principal deles é a própria distribuição de alimentos. Hoje, para que os alimentos cheguem nos mais diversos e distantes locais com a garantia de que estão seguros para consumo, muitas vezes o uso de conservantes é necessário para que se evite um surto ou mesmo doenças transmitidas por alimentos. Além deste motivo, existem alguns outros que reforçam a necessidade de um conservante alimentício.
Para ilustrar melhor a situação em que vivemos, vou contar à vocês uma história recente que aconteceu comigo. Ao encontrar um amigo que não via há tempos, fui questionado por ele sobre meu trabalho e como é trabalhar com conservação de alimentos, seja ela feita de maneira sintética ou natural.
Esse foi justamente o primeiro ponto sobre o qual falamos, as diferenças entre ingredientes sintéticos e naturais. Há uma demanda crescente por ingredientes mais saudáveis e naturais. Alguns exemplos são a aplicação de extratos de plantas, como o alecrim, chá verde, orégano, acerola, aipo, gengibre, vinagre entre outros, na substituição de moléculas sintéticas como TBHQ, BHA, BHT, EDTA, nitrito, nitrato, benzoatos, propionatos, entre outros que você não gosta de ver no rótulo!
Essa demanda por conservantes naturais é um fator muito empolgante para o mercado e também para o consumidor, afinal, atende às suas necessidades e buscas por rótulos limpos.
Porém, infelizmente, o mundo ainda não tem capacidade para substituir 100% dos ingredientes sintéticos do mercado e acredito que não veremos isso acontecer tão cedo ☹.
Afinal, já imaginou o tanto de espaço e recursos que seriam necessários para plantar todas essas espécies com propriedades conservantes em escala comercial? Nem mesmo as mais altas tecnologias em agricultura dariam conta dessa tarefa. Além disso, a questão financeira ainda é muito complexa, afinal, gerenciar toda uma cadeia de agricultura – terra, água, solo, tecnologias de processo – geram mais custos do que apenas produzir uma molécula sintética. Nosso planeta, com essa imensa desigualdade social existente, não suportaria tamanho choque financeiro...
Isso sem contar que antes de nos preocuparmos com “comida natural para todos”, temos que nos preocupar com “comida para todos”, afinal ainda temos cerca de 1 bilhão de pessoas sem acesso à comida ou nutrição adequada, cerca de 35 milhões apenas no Brasil... e para estes, na atual situação, infelizmente pouco importa o que tem dentro do pacote.
Por isso, se você está lendo este texto e tem condições financeiras e sociais de comprar um alimento sem conservantes e demais ingredietes sintéticos, sem dúvida, faça! Porém, ao comprar alimentos industrializados naturais, considere-se uma pessoa com conhecimento, dinheiro e sorte, visto que esse cenário ainda atinge uma parte pequena da população e hoje, ainda é impossível estender para maioria de nosso país e de nosso planeta. Justamente por isso, é extremamente importante ter a visão de que a conservação de alimentos não é um vilão, é uma necessidade fruto da desigualdade social que enfrentamos na atualidade.